Análise/REview | Resident Evil: Welcome to Raccoon City (2021)



Depois da conclusão da história de Alice em Resident Evil: O Capítulo Final, lançado em 2017, a franquia Resident Evil ganha um novo universo cinematográfico dirigido e escrito por Johannes Roberts e produzido pela Constantin Films e Sony Pictures. Resident Evil: Welcome to Raccoon City (no Brasil, Resident Evil: Bem-vindo a Raccoon City) estreou no dia 24 de novembro nos Estados Unidos e em 2 de dezembro nos cinemas brasileiros, com críticas bem divididas.

O Resident Evil Project pôde conferir o novo longa-metragem que tenta adaptar os eventos dos dois primeiros games da série e trazemos uma análise bem detalhada e SEM SPOILERS sobre o polêmico filme. Confira logo abaixo:


Análise por: Gabriel Scórsin


INTRODUÇÃO

Para começar, admito que fiquei bem ansioso pela chegada desse filme. Sempre curti as adaptações de Resident Evil para o cinema, apesar de achar que elas foram bem medianas e não expandiam bem o universo da série. Não tinha tantos problemas em mudanças justamente por ser um universo diferente dos jogos. Já posso dizer, sem pensar duas vezes, que prefiro muito mais Welcome to Raccoon City do que qualquer outro dirigido por Paul W. S. Anderson. Pois agora, pelo menos, consigo ver um mundo mais parecido com os jogos e adaptando de forma um pouco mais fiel a história dos games.



Isso não quer dizer que Welcome to Raccoon City seja uma adaptação perfeita e certa para os fãs de Resident Evil. O reboot está cheio de boas intenções, mas que foram muito mal executadas, talvez pelo orçamento baixo ou pela correria do estúdio, ainda mais em tempo de pandemia. Acredito que posso resumir a minha análise em: Resident Evil merecia mais... MUITO mais.


A ideia que tive ao ver o filme, mesmo sem colocar tantas expectativas, foi de que fizeram maior parte do projeto de qualquer jeito, uma mesma impressão que tive com o último capítulo de Paul Anderson. O roteiro corrido, exagero de fan-service, design de som regular e a decupagem, em partes, estranha, foram os meus grandes problemas com o filme. Ao mesmo tempo, admito que me diverti assistindo o longa, ainda mais indo ao cinema tendo em mente que é uma realidade alternativa de Resident Evil e que não alteraria nada nos games.


ROTEIRO

O grande problema do filme é roteiro. O conceito narrativo de Welcome to Raccoon City é até interessante. Como já divulgado em sinopses, o enredo aborda o arco narrativo do domínio da Umbrella sob Raccoon City e até sobre seus segredos de pesquisas ilegais de armas biológicas nos arredores da cidade, utilizando-se de civis diversos da metrópole e crianças do Orfanato, como vemos em Resident Evil 2 Remake, para realizar experimentos com seus vírus.



Mas, se isso em algum momento é enfatizado no roteiro? Não. A exploração desse conceito valioso e que está bem presente nos primeiros games, em nenhum momento é enfatizado. Algumas cenas apenas dão dicas sobre esse cenário macabro da corporação, nada mais. Acredito que poderia ter uma cena de respiro onde os personagens debatem sobre os experimentos da Umbrella, dando mais drama ao enredo e deixando o espectador mais imerso no filme e com mais conhecimento sobre o universo que ele está conferindo. Lisa Trevor, por exemplo, nem explicação tem para ela estar no filme. Alguém que não jogou os games e nem sabe o que ela é, não vai entender sua participação no longa.


O começo da narrativa é muito bom. A história apresenta os personagens de forma muito boa, com cenas em que você consegue se simpatizar bem com eles. Porém, chega em um certo ponto do longa em que o roteiro começa a acelerar e não para. E desde então, começa a mostrar na tela cenas sem desenvolvimento e fim, apenas momentos jogados de qualquer jeito e que fica confuso de seguir uma linha narrativa. Também devo dizer que o terceiro ato do filme nem fraco é, mas sim vergonhoso. O final do filme é simplesmente uma conclusão péssima e deplorável, que não me fez ficar impactado, mas sim rir de tão mal feito que foi.



Como disse, a apresentação das personagens é fantástica. Agora, o desenvolvimento delas é outra coisa. Pelo roteiro corrido, as personagens nem possuem tempo de passar por transformação. Alguns chegam ao final do filme exatamente como começaram, parecendo que não passaram por nenhuma mudança ou que os eventos do filme não impactaram em nada de suas vidas.


ELENCO

Depois de tantas polêmicas e brigas (sinceramente, bem desnecessárias) que houveram na comunidade Resident Evil por conta da escolha dos atores, o elenco de Welcome to Raccoon City me surpreendeu bastante. Como disse, é preciso tomar cuidado na hora de analisar as performances, já que elas também dependem do próprio roteiro. Se o texto não desenvolve bem as personagens e não as permite passar por transformações, como o ator deverá interpretar? Mesmo sabendo que alguns de seus personagens não eram exatamente daquele jeito ou não fariam escolhas específicas, eles ainda tinham que fazer o trabalho deles e seguir o roteiro do diretor.



Felizmente, mesmo com esse problema no roteiro, todos os atores passaram bastante a imagem de seus respectivos personagens dos games e foram criativos para realizarem suas performances, além de passarem a ideia de desespero, que estão vivendo um pesadelo enquanto enfrentam zumbis e monstros. Alguns ficaram com diferenças comparando com os jogos, claro, mas ainda assim se mantiveram em um foco. Kaya Scodelario interpreta Claire Redfield e traz com ela um espírito rebelde e independente muito grande, assim como nos games.



Hannah John-Kamen vive Jill Valentine, que no começo da história me deixou um pouco confuso. O enredo coloca Jill como uma personagem meio "louquinha" nas primeiras cenas, mas com o passar do tempo, vemos uma Jill leal, valente e, principalmente, que carrega consigo um senso de justiça grande, assim como a Valentine que todos conhecemos dos games.



Avan Jogia faz o policial novato Leon S. Kennedy e surpreendentemente, traz consigo a ideia de um rapaz imaturo e inocente, assim como o Leon de Resident Evil 2. Tom Hopper vive Albert Wesker e também me surpreendeu bastante. Ao contrário dos games, Wesker mostra mais humanidade, deixando de ser aquele personagem com estereótipo de vilão malvado e mantendo a coragem, determinação e até uma certa frieza de sua figura original.



E quanto a Robbie Amell, foi um dos pontos mais positivos do filme. O ator consegue encarnar bem o Chris Redfield inocente de pré-RE1 e levá-lo a uma transformação durante o filme. Chris e Jill foram os personagens que mais senti mudanças ao longo da narrativa. Apesar do roteiro acelerado, percebe-se que os eventos mudam a personalidade de Chris, enquanto Amell ainda carrega aquele lado corajoso, protetor e carinhoso de irmão mais velho.




FOTOGRAFIA

A decupagem de planos ao mesmo tempo que é boa, tem momentos vergonhosos. Eu realmente não sei se algumas cenas foram gravadas de forma ruim intencionalmente, já que o longa bebe bastante da fonte de Filmes B de terror, que inclusive foram grandes influências para os primeiros jogos de Resident Evil no PlayStation One. De uma forma ou de outra, algumas cenas são horríveis de assistir porque o espectador simplesmente não consegue ver absolutamente nada, seja pela iluminação ruim ou pela câmera na mão que se mexe mais rápido que um licker de RE2.


Em contrapartida, outras cenas são belíssimas de assistir. Uma em específico me deixou emocionado como um grande fã do primeiro jogo. A cena já foi mostrada nos trailers, mas assistir no cinema foi muito mais especial. Quando os S.T.A.R.S. adentram na Mansão Spencer, o diretor opta em capturar um plano lindo que relembra o começo da série de jogos que tanto amamos. Não teve como não se emocionar naquela parte, ou até nos planos gerais que ele pega no Orfanato, na RPD e na floresta das Montanhas Arklay vista do helicóptero, que relembra bastante como a franquia dos games começou.



Em geral, as cenas que são tiradas diretamente dos jogos ficaram absurdamente lindas. O diretor conseguiu captar os planos certos para relembrar as cutscenes icônicas que marcaram a história de Resident Evil. Por isso digo que fico em dúvida se gostei ou não da fotografia. Pois esse cuidado na decupagem só estava presente nessas cenas com mais influência dos jogos. As demais, especialmente uma de Brian Irons, parecem ter sido filmadas de qualquer jeito e na pressa, às vezes parecendo mais um fã-filme amador do que um projeto hollywoodiano mesmo.


SOM

Também um ponto regular para o filme. Enquanto Welcome to Raccoon City acerta em uma trilha sonora tensa, efeitos sonoros condizentes com o que está sendo mostrado e um áudio limpo nas vozes das personagens, ele também apela demais ao som para dar sustos no espectador. Não me senti tenso durante o filme todo, apenas levei alguns sustos por causa de efeitos excessivamente altos.



Eu particularmente não gosto quando filmes de terror apelam para susto e principalmente quando usam o som para isso, um dos motivos para eu também ter ficado insatisfeito várias vezes com os filmes de Anderson. Infelizmente, Welcome to Raccoon City recorre a esse recurso e não é capaz de criar uma atmosfera macabra ou momentos imprevisíveis. Nem mesmo as cenas com pouca iluminação e apelo visual como as da Mansão Spencer me deixaram tenso. Toda a parte de "terror" está praticamente jogada no som e isso me incomodou bastante.


ARTE

Apesar dos pesares, sempre gostei a Direção de Arte de todos os filmes de Resident Evil, desde os de Anderson até os de CGI. Welcome to Raccoon City não foi diferente. Gostei bastante da direção de arte do filme e ficou no nível dos filmes protagonizados por Alice. Os pontos negativos da arte foram: maquiagem e as caracterizações de alguns personagens.


A maquiagem, infelizmente, não é das melhores. Enquanto foram extremamente detalhistas em alguns zumbis, como o que faz referência ao primeiro zumbi de Resident Evil, outros já ficaram ruins. Um zumbi em específico possui um close que dá para ver quase todas as imperfeições da maquiagem.



Já sobre a caracterização das personages, fico bastante dividido. A de Chris e Claire estão muito boas, relembrando bastante os personagens dos jogos. Mas, se decidiram fazer as caracterizações dos irmãos Redfield tão fiéis, por que a dos outros personagens não ficaram? Em minha opinião, isso ficou incoerente e me incomodou um pouco desde que vi o primeiro trailer. Não estou querendo dizer que os figurinos e maquiagem deles ficaram ruins, mas sim de que poderiam ser melhores.


Por fim, para encerrar a parte de arte, não posso deixar de comentar sobre os cenários que foram outro ponto super positivo do filme. O cuidado que tiveram na criação dos sets da Mansão Spencer, RPD e Orfanato me deixaram impressionado. Eu realmente daria tudo para estar naqueles sets porque sempre fui apaixonado pelos mapas de Resident Evil, principalmente a Mansão, e seria meu sonho como um cineasta ou ator poder pisar ali.



Não teve como não ficar feliz vendo o hall e os corredores da Mansão que faziam as imagens do primeiro Resident Evil aparecer na minha cabeça. Os corredores são cheios de quadros, armaduras, esculturas e itens em decoração em geral que podem ser encontrados nos games. De longe, foi meu momento favorito de Welcome to Raccoon City e que me deixou muito feliz.



A RPD não é tão bem explorada como pensei que seria, mas ver o hall da delegacia numa perspectiva bem parecida com a dos jogos e a sala dos S.T.A.R.S. também me deixou muito feliz. E por fim, o Orfanato não é idêntico ao de Resident Evil 2 Remake. Entretanto, tiveram cuidado em deixá-lo o mais fiel possível ao jogo. No Orfanato pode-se ver bandeirinhas, quadros, bonecas e uma estética que se aproxima bastante do orfanato do remake de RE2.


REFERÊNCIAS

Se eu estava colocando expectativa em algo? Sim. Nas referências. Afinal, isso foi o que os trailers mais mostraram. E de fato o longa está cheio de easter-eggs para os fãs dos games procurarem. Direto eu abria sorrisos no cinema e dizia a famosa frase: "Eu entendi a referência!"



Qual é o ponto negativo disso? A diversão do filme se volta apenas a isso praticamente, a caçar referências. É a grande atração para os fãs dos games, até porque aqueles que nunca jogaram e somente viram os filmes de Alice, não vão entender absolutamente nada. Dessa forma, o filme também passa a ideia de que nem possui um público-alvo bem definido. Ao mesmo tempo que ele tenta agradar os fãs mais clássicos com os easter-eggs e cenas retiradas dos jogos, também tenta introduzir o universo de Resident Evil sob uma perspectiva diferente para os novos fãs, porém apresentando o conceito narrativo de forma bem tímida e confusa.


RESUMÃO

Resident Evil: Welcome to Raccoon City não leva as adaptações cinematográficas da franquia a diante, mas também não é um passo para trás. Certamente é melhor que os filmes anteriores, mas não foi capaz de apresentar bem o universo da série nas telas de cinema. Os fãs dos jogos podem ir assistir para pegar referências e ver pequenos momentos clássicos em live-action, mas o roteiro acelerado e sem muito fundamento deixa a história confusa e um tanto que irrelevante, não sendo capaz de enfatizar o arco narrativo que tinha potencial de causar impacto. Em suma, podemos dizer que uma franquia tão grande e importante na cultura popular como Resident Evil merecia muito mais.


NOTA FINAL: 5,5/10